Facções criminosas usam prefeituras do sudeste, incluindo Arraial do Cabo, para lavar dinheiro

Por Vitor Lobo - Rio Janeiro

Publicado há 2 semanas ago

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Matéria do repórter Rafael Soares, publicada pelo jornal O GLOBO nesta terça-feira (1), revela como as maiores facções criminosas do país, incluindo o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), estão burlando licitações e usando prefeituras no Sudeste para lavar dinheiro proveniente de atividades ilícitas. O caso mais recente envolve Marcos Antônio Ferreira do Nazareth, candidato a vereador em Arraial do Cabo, que já foi condenado por tráfico de drogas e está preso por envolvimento em esquemas fraudulentos com a prefeitura local. Confira a reportagem na íntegra.

O CRIME EM CAMPANHA: MAIORES FACÇÕES DO PAÍS BURLAM LICITAÇÕES E USAM PREFEITURAS PARA LAVAR DINHEIRO NO SUDESTE

O início da campanha de Marcos Antônio Ferreira do Nazareth, o Marquinho de Nicomedes (PV), não teve caminhada, corpo a corpo nem qualquer ato público. Em 17 de agosto, ele postou em sua conta de rede social: “Estou aqui hoje para convidar cada um de vocês a se juntarem a mim nesta jornada rumo a uma Arraial do Cabo melhor e mais justa para todos”. Na semana seguinte, nova mensagem aos eleitores pelo Instagram: “A voz do povo está chegando”. Grupos no WhatsApp também recebem atualizações quase diárias.

A campanha exclusivamente digital é motivada por razões alheias à disputa eleitoral: desde 18 de junho, o candidato está preso, acusado de desviar mais de R$ 6 milhões em contratos fechados com a prefeitura.

O Ministério Público do Rio (MPRJ) afirma que o político abriu empreiteiras — uma delas, em nome de um “laranja” — que venceram, entre 2018 e 2020, concorrências públicas repletas de irregularidades para construir dois postos de saúde em Arraial do Cabo. O dinheiro foi depositado nas contas das empresas, mas as obras praticamente não saíram do papel até as irregularidades virem à tona, no início de 2021.

Nazareth tem uma ficha criminal extensa: em 2008, foi condenado a 4 anos e 2 meses de prisão por integrar uma quadrilha que transportava drogas de Mato Grosso do Sul até Arraial do Cabo. Três anos depois, recebeu uma pena de 5 anos e 6 meses após ser preso em flagrante na Rodoviária do Rio enquanto levava drogas numa mochila para a Região dos Lagos.

‘A sede fica na casa dele’

Em depoimento prestado à Polícia Civil em 2020, Nazareth admitiu que atuou como matuto para facções, negociando e transportando drogas. Ele alegou que largou o tráfico após o nascimento do filho, em 2011. Por sugestão de amigos políticos, passou a investir no ramo da construção.

O inquérito indica que o político abriu duas empresas: a M. A. F. do Nazareth Incorporação e Construção, em seu nome, e a Atlantic Construtora, em nome de Jerry Anderson de Araújo Silva, o Jerry da Coca-Cola, um auxiliar de serviços gerais que trabalhava na prefeitura. Para a Promotoria, Silva era um laranja, e as duas firmas foram criadas unicamente para dividir os contratos fechados com a prefeitura local — e, assim, dificultar a fiscalização.

Atendimento prejudicado

Para garantir o direcionamento das licitações, o candidato pagava propinas a funcionários do município. Atualmente, Nazareth, Jerry Silva, Sérgio Lopes e outras 16 pessoas são réus pelos crimes de organização criminosa, falsidade ideológica, peculato, corrupção ativa e passiva, ordenação de despesa não autorizada, falso testemunho e lavagem de dinheiro. Apenas Nazareth está preso. O GLOBO não conseguiu contato com os demais citados.

Histórico de infiltração

Não é a primeira vez que uma investigação revela a infiltração do tráfico na prefeitura de Arraial do Cabo. Em 2014, a Polícia Federal (PF) prendeu Francisco Eduardo Freire Barbosa, então presidente da Empresa de Desenvolvimento Urbano e Turismo (Ecatur), que usava a estrutura do órgão público para lavar o dinheiro da quadrilha de seu filho, Carlos Eduardo Rocha Freire Barboza, chefe do tráfico da região e também integrante do CV.

Expansão para São Paulo

O modelo de negócios do CV em Arraial do Cabo também se alastrou por São Paulo, onde o PCC passou a injetar dinheiro do crime em empresas que participam de licitações junto a prefeituras. De acordo com investigações, depois que as firmas vinculadas ao tráfico vencem as concorrências, o lucro obtido com os contratos é devolvido, já limpo, para a facção, que o reinveste nas práticas delituosas.

Levantamento inédito do GLOBO revela que pelo menos 30 municípios de São Paulo têm ou tiveram, ao longo dos últimos dez anos, contratos com empresas investigadas por elo com o PCC. As firmas controlam linhas de ônibus, serviços de limpeza urbana e até hospitais.

Na capital paulista, dirigentes das empresas de ônibus Transwolff e UPBus foram presos e denunciados à Justiça em abril passado por suspeita de vínculos com o PCC. Só em 2023, as duas empresas receberam mais de R$ 800 milhões da prefeitura de São Paulo.

Laços antigos

Os laços com o tráfico de Marcos Antônio Nazareth remontam há quase duas décadas. Em 2005, aos 23 anos, ele foi um dos alvos da Operação Atalaia, que desbaratou uma quadrilha que trazia entorpecentes do Paraguai até a Região dos Lagos. Beneficiado por uma decisão judicial, Nazareth logo deixou a cadeia, mas não tardou a retornar. Em julho de 2007, foi preso novamente com drogas na Rodoviária Novo Rio.

Mesmo negando laços com o tráfico atualmente, o candidato a vereador admitiu à polícia que se beneficia da boa relação com bandidos em períodos eleitorais.

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Por Vitor Lobo - Rio Janeiro

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